Polícia
Publicado em 28/04/2025, às 12h34 Foto: Reprodução. Redação
A Polícia Federal descobriu evidências de que os R$ 48,7 milhões que o Consórcio Nordeste pagou em 2020 para a aquisição de ventiladores pulmonares que nunca foram entregues foram desviados pela firma contratada através de múltiplas transferências bancárias.
No final das contas, conforme a PF, o dinheiro público foi utilizado para despesas pessoais, como a aquisição de veículos e o pagamento de contas de cartão de crédito. É importante destacar que, dentre os R$ 48,7 milhões desviados, quase R$ 5 milhões foram encaminhados pelo Governo do Rio Grande do Norte, visando a compra de 30 ventiladores.
Essas novas informações foram reveladas em uma reportagem do UOL publicada nesta segunda-feira (28).
De acordo com a PF, em um curto período de apenas um mês (de 8 de abril a 20 de maio de 2020), a empresa Hempcare esvaziou suas contas, transferindo todos os R$ 48,7 milhões que recebeu do Consórcio Nordeste para diversas pessoas e empresas que não tinham qualquer relação com a aquisição de ventiladores.
Entre os beneficiários identificados pela PF, uma pessoa comprou um SUV Volkswagen Touareg (custo de R$ 75 mil na época), um caminhão Mercedes-Benz Accelo 815 (R$ 176 mil) e um Mitsubishi ASX (R$ 76 mil), todos adquiridos em 2020. Outro destinatário dos valores utilizou parte dos recursos para liquidar R$ 150 mil em faturas de cartão de crédito.
Os fundos também foram utilizados para pagar a mensalidade da escola dos filhos de um dos investigados, conforme a investigação da PF.
”É surpreendente notar que as investigações mostraram que até mesmo as faturas de cartões de crédito do investigado, que totalizaram R$ 149.378,74, foram quitadas com valores originários das contas da Gespar Administração de Bens. Ou seja, com dinheiro que era originalmente público e destinado à compra dos ventiladores pulmonares”, afirma outra parte do processo.
A PF observou que pelo menos R$ 5 milhões transitou por contas de empresas voltadas à administração de bens, no setor imobiliário e em bancos e fundos de investimento, “mas nunca chegou a uma única empresa que realmente trabalhasse com a compra de ventiladores pulmonares”.
Relembre o caso
Em 2020, Rui Costa, que era o governador da Bahia e atualmente ocupa o cargo de ministro da Casa Civil no governo Lula, presidia o Consórcio Nordeste. Naquele período, o consórcio estabeleceu um contrato com a Hempcare, que previa o pagamento antecipado do valor total. A Hempcare, especializada em produtos farmacêuticos à base de maconha, nunca havia fornecido respiradores pulmonares antes. Consequentemente, os equipamentos não foram entregues, e a totalidade do valor pago ainda não foi recuperada.
Na semana passada, o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu absolver Carlos Gabas, que na época era o secretário-executivo do consórcio e que autorizou os pagamentos antecipados. Essa decisão contradisse o parecer da equipe técnica, que identificou diversas irregularidades na contratação e sugeriu a aplicação de sanções.
A investigação da Polícia Federal sobre esse caso continua em andamento. No início deste mês, a Justiça Federal da Bahia devolveu o inquérito ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O caso estava em tramitação na primeira instância desde maio de 2023, uma vez que Rui Costa não possuía mais direito ao foro privilegiado por ser governador. Entretanto, devido a uma mudança na interpretação do foro privilegiado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o juiz federal Fábio Moreira Ramiro, da 2ª Vara Criminal Federal de Salvador, decidiu que a investigação voltasse ao STJ, que é a instância competente para processar governadores.
Pagamentos a lobistas
Em abril de 2024, o UOL revelou que a dona da empresa, Cristiana Prestes, admitiu em delação premiada que pagou comissões milionárias a um lobista que se apresentou como amigo de Rui Costa e da então primeira-dama, Aline Peixoto.
Esse amigo, Cleber Isaac, teria cobrado o pagamento em troca de intermediar a celebração do contrato. Isaac e um outro lobista, Fernando Galante, receberam um total de R$ 11 milhões. A PF apura se essas comissões também foram repassadas a funcionários públicos.
“Achei que as tratativas para celebração do contrato com o Consórcio Nordeste ocorreram de forma muito rápida, mas entendi que eu estava sendo beneficiada porque havia combinado de pagar comissões expressivas aos intermediadores do governo”, disse Cristiana em sua delação, como mostrou o UOL.
Ela devolveu R$ 10 milhões aos cofres públicos em seu acordo de delação, que foi o valor total embolsado pela empresária com o contrato. O restante do dinheiro foi desviado nessas transferências que a Polícia Federal ainda busca rastrear.
Em agosto do ano passado, a PF deflagrou nova operação sobre o caso e cumpriu busca e apreensão contra Cleber Isaac e outros alvos que atuaram no negócio.
Após analisar os detalhes das quebras de sigilo bancário, a PF detectou que Cleber Isaac e Galante rapidamente repassaram os recursos para outros destinatários com o objetivo de dissimular a origem ilícita dos valores.
Os recursos transitaram, por exemplo, por empresas do ramo imobiliário e até mesmo fundos de investimento. Galante transferiu recursos para sua secretária, que foi responsável pela compra dos três carros de luxo, e para uma familiar, que usou o dinheiro no pagamento de faturas de cartão de crédito.
O juiz federal Fábio Ramiro determinou, ao autorizar a operação, o bloqueio de bens de todas as pessoas que receberam pagamentos a partir do contrato dos respiradores, com o objetivo de tentar recuperar esses valores. Agora, o caso ficará sob responsabilidade do ministro do STJ Og Fernandes.
O outro lado
Buscado através de sua assessoria de imprensa para comentar sobre os recentes acontecimentos investigados pela Polícia Federal, Rui Costa não deu retorno.
Em uma declaração anterior, a assessoria do ministro declarou que ele ordenou a abertura de uma investigação pela Polícia Civil da Bahia para examinar os fatos ocorridos durante seu mandato como governador.
O ex-governador também mencionou que, durante a pandemia, as aquisições realizadas globalmente foram feitas com pagamento antecipado e que nunca teve discussões com qualquer "representante ou intermediário sobre as compras" de itens de saúde.
“A intenção do ex-governador Rui Costa é que a investigação continue e que aqueles que desviaram fundos públicos sejam punidos adequadamente, além de haver uma ordem judicial para a restituição do dinheiro público”, informou a assessoria na época.
A defesa de Gabas alegou que ele procedeu com base em uma análise técnica da Procuradoria do Estado da Bahia que validou a maneira de contratação e segundo uma lei estadual que permitia o pagamento antecipado. Também afirmou que o consórcio e os Estados foram "vítimas" nesta situação.
As defesas de Cristiana Taddeo e de Cléber Isaac optaram por não se manifestar. Em seu depoimento à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, em dezembro de 2021, ele afirmou manter relações sociais com Rui Costa e Aline Peixoto, mas negou ter discutido o assunto dos respiradores com o casal. Ele declarou conhecer o ministro desde 2010.
Fernando Galante, da Gespar Administração de Bens, não foi encontrado pela reportagem.