Cidades
Publicado em 20/04/2025, às 07h52 Carol Maciel
Arcebispo Metropolitano de Natal desde outubro de 2023, Dom João Santos Cardoso é natural da Bahia. Ele estudou Filosofia e Teologia, possui mestrado e doutorado em Filosofia na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Ocupou presidência regional na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Foi professor universitário e, entre tantas atuações, exerceu o cargo de vigário paroquial em Rieti e Blera, na Itália.
Em entrevista exclusiva ao BNews Natal, o administrador apostólico do principal posto religioso da Igreja Católica do Rio Grande do Norte explanou sobre o papel da Igreja frente às questões sociais e sua visão acerca da ética na política. Além disso, Dom João também abordou ações relacionadas ao tema da Campanha da Fraternidade deste ano, além de fazer uma avaliação de sua gestão. Confira a entrevista na íntegra abaixo:
BNews Natal: Arcebispo, qual é o papel da Igreja diante de desafios sociais, como a fome e a falta de moradia?
Dom João: A Igreja, diante de desafios sociais como a fome e a falta de moradia, assume sua missão profética e sociotransformadora de anunciar o Evangelho, promovendo a dignidade humana e a justiça social. A Doutrina Social da Igreja afirma que a caridade deve ser vivida na verdade, e a justiça é o primeiro passo da caridade (cf. Papa Bento XVI, Caritas in veritate, 6). Inspirada no exemplo de Cristo, que “veio ao mundo como alguém que não tem casa”, como enfatizou o Papa Francisco, a Igreja denuncia as causas da exclusão, clama por políticas públicas eficazes e promove ações concretas de solidariedade. A moradia digna, como recordou a Campanha da Fraternidade de 1993, é direito fundamental e expressão da cidadania. Também, no próximo ano, a Campanha da Fraternidade, promovida pela CNBB, retomará esse tema, com o lema: “Ele veio morar entre nós” (Jo 1,14). Assim, a Igreja se empenha por uma sociedade mais justa, onde todos possam ter pão e teto, e viver como irmãos.
BNews Natal: Quais são as principais ações comunitárias realizadas pelas paróquias?
Dom João: Atualmente, as paróquias da Arquidiocese de Natal realizam diversas ações comunitárias voltadas à promoção humana e à assistência social, organizadas em comunhão com o Vicariato Episcopal para as Instituições Sociais e Ações Caritativas. Este Vicariato articula iniciativas em parceria com organismos como o SAR (Serviço de Assistência Rural), a Cáritas Arquidiocesana e as pastorais sociais, incluindo a Pastoral da Pessoa Idosa, da Criança, da Sobriedade e serviços de apoio a moradores de rua, como os realizados pela Toca de Assis.
Na cidade de Natal, destacam-se as obras das Irmãs de Caridade, como o Abrigo Juvino Barreto, voltado à assistência, amparo e cuidado de idosos; a Escola do Menor Trabalhador, com ações de educação e profissionalização de jovens e a Casa da Criança, que presta apoio à infância, entre outras tantas iniciativas na dimensão da caridade. Na Comunidade de Mãe Luíza, a paróquia desenvolve, com parceiros locais e externos, projetos de educação, música, esportes com jovens e crianças e de cuidado com idosos. No bairro de Gramoré, os Salesianos mantêm uma obra social de grande relevo que atende cerca de mil jovens em situação de vulnerabilidade, oferecendo educação e formação profissional.
Além disso, várias paróquias mantêm obras sociais próprias, como o abrigo de idosos da Paróquia de Santana e São Joaquim, em São José Mipibu, campanhas solidárias de alimentos e agasalhos, bodegas solidárias, e o serviço constante das pastorais sociais, expressando o compromisso da Igreja com os mais pobres e vulneráveis. Essas ações traduzem, na prática, o ensinamento da caridade cristã e da dignidade humana, pilares da Doutrina Social da Igreja.
BNews Natal: Qual é a importância da visita pastoral e da aproximação com povoados mais afastados?
Dom João: A visita pastoral tem profunda importância para a vida da Igreja, especialmente quando se estende aos povoados e comunidades mais afastadas. Ela não é apenas uma formalidade administrativa, mas um ato de pastoreio que expressa a proximidade concreta do bispo com o seu povo. Conforme orientações da Arquidiocese de Natal e o magistério da Igreja, trata-se de um tempo de graça, de escuta e de renovação espiritual.
Sua relevância manifesta-se em diversos aspectos: a) proximidade do bispo, sinal da presença do Bom Pastor que conhece, ama e visita suas ovelhas; b) permite ao bispo conhecer, com seus próprios olhos, as alegrias e dificuldades das comunidades rurais e periféricas, muitas vezes carentes de acompanhamento mais frequente; c) fortalece a comunhão eclesial; d) favorece a avaliação e o funcionamento das estruturas paroquiais e pastorais, permitindo identificar desafios, propor melhorias e realinhar a ação evangelizadora aos planos diocesanos; e) estimula a missão eclesial: o contato direto com as comunidades anima os fiéis à vivência ativa da fé, ao compromisso missionário e à participação na vida da Igreja; f) favorece o encontro com os pobres, doentes, idosos e jovens, promovendo escuta, cuidado e esperança. Em suma, a visita pastoral, sobretudo quando chega aos lugares mais esquecidos, torna visível o cuidado da Igreja com os fiéis, reforçando a sinodalidade, a comunhão e o ardor missionário da comunidade cristã. É um exercício concreto da Igreja “em saída”, como pede o Papa Francisco.
BNews Natal: Como o tema da Campanha da Fraternidade, ecologia integral, foi abordado pela comunidade católica local?
Dom João: Na Arquidiocese de Natal, o tema da Campanha da Fraternidade 2025 – Fraternidade e Ecologia Integral – foi amplamente trabalhado em diversas frentes evangelizadoras e sociais. A abordagem se deu por meio de entrevistas e matérias nos meios de comunicação locais, como rádios, emissoras de TV e blogs, com o envolvimento direto de padres, agentes pastorais e representantes das pastorais sociais. Através das redes sociais, a PASCOM arquidiocesana e paroquiais garantiu ampla divulgação de reflexões, eventos e conteúdos formativos sobre o tema.
Nas paróquias, o tema esteve presente nas celebrações litúrgicas, especialmente nas homilias dominicais e nos momentos de catequese. Também foram promovidos encontros formativos, rodas de conversa e simpósios, como o realizado no Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), proporcionando diálogo entre Igreja e sociedade sobre os desafios da conversão ecológica.
A dimensão profética da Campanha se concretizou ainda em audiências públicas realizadas na Assembleia Legislativa do Estado e em diversas Câmaras Municipais, demonstrando o esforço da Igreja em articular fé e compromisso social em favor da Casa Comum.
Tais iniciativas expressam o esforço da comunidade eclesial em integrar a espiritualidade quaresmal com a urgência da crise socioambiental, conforme propõe o Texto-Base da Campanha, em sintonia com a Laudato Si’ e a Laudate Deum, do Papa Francisco.
BNews Natal: O senhor tomou posse há pouco mais de um ano, poderia avaliar esse período e apontar quais são as aspirações da Arquidiocese de Natal para os próximos anos?
Dom João: Desde que tomei posse como Arcebispo de Natal, em 7 de outubro de 2023, vivi um tempo intenso de escuta, visitas pastorais e conhecimento da realidade eclesial e social da Arquidiocese. Reuni-me com padres, diáconos, religiosos e leigos, visitei paróquias urbanas e rurais, participei de audiências com autoridades civis, participei das assembleias arquidiocesanas, dos encontros mensais do clero, promovi reuniões com os diversos conselhos e comissões pastorais. Esse processo de aproximação tem sido fundamental para compreender os desafios e potencialidades de nossa Igreja Particular.
Entre as primeiras ações, destaco a instituição de uma comissão de transição, que me ajudou no levantamento da realidade pastoral e administrativa da Arquidiocese. Também publicamos um decreto com normas de conduta no trato com menores e vulneráveis; uma Carta Pastoral com o diagnóstico da realidade eclesial, referencias eclesiológicos, delineando as principais ações que estão sendo executadas e implementadas, como a reabertura da Casa do Clero; a reabertura do Ano Propedêutico em Emaús para a seleção dos candidatos ao sacerdócio; o Plano de Sustentação dos Presbíteros; a decisão de realizar o Sínodo Arquidiocesano.
Olhando para o futuro, nossas aspirações estão centradas na promoção de uma Igreja missionária, sinodal e profética, conforme indicado no processo de escuta em curso. Em junho de 2025, daremos início ao nosso Sínodo Arquidiocesano, com o tema “Igreja de Natal, que dizes de ti mesma?”, e o lema “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15). O objetivo principal será a atualização do Diretório Sacramental, Litúrgico, Pastoral e Administrativo, além da escuta ampla dos fies e que todos coloquem-se à escuta do Espírito Santo e dos sinais dos tempos.
Outro eixo importante é a participação no Ano Jubilar da Esperança, proclamado pelo Papa Francisco, o qual nos convida a sermos “peregrinos de esperança” num mundo marcado por crises e incertezas. A missão evangelizadora, a promoção da dignidade humana, a formação do clero, o engajamento das juventudes e o compromisso com o Pacto Educativo Global também integram nossas prioridades pastorais para os próximos anos.
Nosso caminho será guiado por uma espiritualidade de comunhão, por uma renovada caridade pastoral e pela fidelidade ao Evangelho, renovação missionária para que a Igreja de Natal continue sendo sinal da presença do Ressuscitado no coração do povo potiguar.
BNews Natal: Sobre a proposta para a criação de duas novas dioceses no estado, em Santa Cruz e em Assu, em que estágio está esse processo? Quais são os benefícios dessa ramificação, caso venha a ser aprovada?
Dom João: O processo de criação das novas dioceses com sede em Santa Cruz e Assú encontra-se em estágio avançado. A Comissão Arquidiocesana e Interdiocesana instituída para esse fim concluiu os estudos e elaborou o Projeto de Criação de Novas Dioceses, que foi solenemente entregue durante a Celebração Eucarística no dia 14 de março de 2025, em nossa Catedral. O projeto foi encaminhado à Nunciatura Apostólica no Brasil e, neste momento, encontra-se na fase de ajustes técnicos e complementações, para posterior envio à Santa Sé, onde será avaliado pelo Dicastério para os Bispos e, por fim, submetido ao discernimento do Papa Francisco.
A proposta já recebeu apoio unânime dos bispos do Regional Nordeste 2 da CNBB e parecer favorável da Presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que reforçou a necessidade pastoral e evangelizadora da medida.
Os benefícios da criação dessas novas dioceses são numerosos, como: a) Proximidade pastoral: permitirá que os fiéis, especialmente das regiões interioranas e mais distantes, estejam mais próximos de seu bispo, facilitando o acompanhamento espiritual e pastoral; b) Fortalecimento da missão evangelizadora: dioceses com territórios menores podem desenvolver ações pastorais mais eficazes, com presença mais frequente nas comunidades e maior atenção às demandas locais; c) Melhoria na administração eclesial: a descentralização possibilita uma melhor organização das estruturas pastorais, administrativas e missionárias; d) Valorização das realidades regionais: tanto Santa Cruz quanto Assú possuem relevância histórica, econômica, cultural e religiosa, e sua elevação à condição de sede episcopal fortalece a identidade dessas regiões e reconhece sua importância no contexto eclesial; e) Resposta a um anseio antigo: o desejo de criação de novas dioceses no Rio Grande do Norte remonta à década de 1960, como expressão da busca por uma Igreja mais próxima, participativa e comprometida com as realidades locais.
A criação das dioceses de Santa Cruz e Assú representa, portanto, um passo significativo na missão da Igreja no Rio Grande do Norte, em sintonia com a sinodalidade e com o desejo de uma presença eclesial mais capilarizada e eficaz em todo o território potiguar.
BNews Natal: Do ponto de vista social, a Igreja atua como eixo central na pregação de valores éticos e morais, qual é, então, a visão do senhor sobre ética na política, no cenário atual?
Dom João: Tenho uma visão positiva da política enquanto arte nobre da convivência humana, meio eficaz para a construção de consensos e de promoção do bem comum. A política, quando orientada por princípios éticos, é uma das formas mais elevadas de caridade, como ensina o Papa Francisco em Fratelli Tutti. Trata-se de um espaço privilegiado para o exercício da justiça, da solidariedade e da dignidade da pessoa humana.
No entanto, é preocupante o cenário atual em que observamos o crescimento da polarização ideológica, da demonização do adversário e da normalização da mentira como ferramenta política, o que compromete seriamente a saúde democrática. A manipulação de narrativas, o uso das redes sociais para a difusão de fake news e a lógica do “vale tudo” para vencer politicamente ferem a verdade, a confiança pública e os princípios mais elementares da ética cristã e da vida em sociedade.
A tradição cristã, desde suas raízes, jamais separou ética e política. Ambas se orientam ao bem do ser humano. A política, como ciência prática, é autêntica quando busca, por meios justos e verdadeiros, o bem comum e o desenvolvimento integral da sociedade. A autoridade, como ensinou Jesus, não deve ser usada para dominação, mas como serviço: “quem quiser ser o primeiro, seja o servo de todos” (Mc 10,44).
Neste contexto, é urgente recuperar uma “política melhor”, como propõe o Papa Francisco, comprometida com a escuta, o diálogo e o discernimento ético, capaz de superar o imediatismo, o populismo e os radicalismos ideológicos. Precisamos de líderes públicos que pensem grande, que ajam com sabedoria, compaixão e responsabilidade, e de cidadãos comprometidos com a verdade, a justiça e a paz.
A Igreja continuará a oferecer sua contribuição profética na formação das consciências, no cultivo da esperança e na construção de pontes, em lugar de muros. Como pastor, acredito que ética e política não apenas podem caminhar juntas, mas devem caminhar unidas, para que a democracia floresça como espaço de fraternidade e de bem comum, e não como campo de hostilidades e manipulações.
Classificação Indicativa: Livre