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Publicado em 14/04/2025, às 12h33 Giovana Góis
O cheiro da terra molhada, o barulho do mato, um sussurro à noite, o vulto no quintal. Márcio Benjamin cresceu cercado de histórias assim. Hoje, esses elementos fazem parte do universo sombrio e fascinante de seus livros, que resgatam o imaginário popular nordestino sob a ótica do terror. Nascido em Natal (RN), o autor vem conquistando espaço nacional e internacional, tendo participado recentemente da Primavera Brasileira, organizada pela Universidade de Sorbonne Nouvelle, em Paris.
“Desde criança, sou apaixonado por histórias de assombração”, conta. A mistura das lendas que ouvia da avó no bairro do Alecrim com os filmes de terror dos anos 1980 — como Sexta-feira 13 e O Lobisomem Americano em Londres — moldou uma sensibilidade para o gênero. Mas, ao contrário do terror importado, Benjamin escolheu escrever sobre o que conhece de perto: o sertão.
“O sertão é tão assustador quanto qualquer floresta escura do cinema de horror”, defende o escritor. Seus livros se passam em ambientes rurais, vilarejos isolados, cidades nordestinas envoltas por mistérios e forças inexplicáveis. “Gosto de observar cheiros, ruídos, gostos... Tudo me ajuda a compor minhas histórias. Prefiro sempre falar do Nordeste porque é minha vivência, minha vida”. Mais que ambientação, sua escolha estética também é política: “É uma escolha de resistência. Faço questão de escrever sobre esse lugar que conheço. O Nordeste é mágico e impactante”.
Ao levar essa estética para leitores de outras regiões e países, Márcio opta por não suavizar o sotaque ou “traduzir” as expressões locais. “No começo, coloquei glossário [para gírias nordestinas], mas depois desisti. Prefiro arriscar. Se alguém não entender uma palavra, que pesquise, pergunte. É uma forma de valorizar nossa cultura”.
E funciona. Seus textos encantam leitores estrangeiros justamente pelo exotismo do cenário e pela riqueza do folclore. “O Brasil já encanta. O Nordeste, mais ainda”, comenta. Para ele, o terror nordestino cria uma espécie de portal mágico que instiga, assusta e fascina.
De onde vem tanta inspiração…
Márcio também alimenta sua escrita com causos que escuta em oficinas e visitas a escolas públicas. “Sempre alguém tem uma históriazinha pra contar. Já me disseram que acreditavam em lobisomem. Escrevi um conto com base nisso: uma menina foge pra ver o lobisomem e dorme... mas, na verdade, ela se transforma.”
Seus livros, como Sina, Maldito Sertão e Fome, são repletos dessas narrativas que cruzam o fantástico com a oralidade popular. “Acho maravilhoso quando essas histórias ganham vida nos meus contos”, afirma.
Reconhecimento internacional
A participação na Primavera Brasileira, em Paris, foi um divisor de águas. “Foi muito impactante. Fui convidado pela primeira vez em 2016, e agora retornei para uma mesa sobre o gênero fantástico ao lado de autoras incríveis”, celebra. A recepção do público estrangeiro só reforçou sua convicção: “Eles podem não entender tudo sobre o sertão, mas se encantam profundamente com ele.”
Livro Sina, publicado pela editora DarkSide - Foto: Arquivos de Márcio Benjamin
E vem muito mais por aí
Neste ano, o autor lança Beira Mar, livro de contos pela editora DarkSide, com criaturas como sereias, zumbis pescadores e senhorinhas ancestrais. A continuação do aclamado Fome, chamada Romaria, também está a caminho, além de um livro infantil-nordestino, dedicado à sua sobrinha.
No audiovisual, já há curtas e pilotos produzidos — como Encruzilhada Bar e Maldito Sertão — e novos projetos de séries, inclusive no gênero de humor.
Crítico do mercado editorial centrado no eixo Rio-São Paulo, Márcio defende mais diversidade nas feiras literárias e editoras. “Ninguém aguenta mais histórias sobre o homem branco hétero em crise. O Brasil é plural e a literatura precisa refletir isso. Outras vozes precisam ser ouvidas.”
A dele, com certeza, está sendo — em alto e bom som, mesmo que assombrado por sussurros de lobisomens, maldições e senhorinhas mágicas do sertão.
O escritor foi convidado para participar da Primavera Literária Brasileira - Foto: Arquivos de Márcio Benjamin
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Classificação Indicativa: Livre